As estratégias de contenção
do Heartland de do Rimland
Dyego Freitas Rocha e Edu Silvestre de Albuquerque (UFRN, 2014)
A teoria do "pivô geográfico da história" foi elaborada pelo geógrafo inglês Sir Halford John Mackinder, e representa, segundo o próprio autor, o poder terrestre em seu antagonismo histórico e geográfico com o poder marítimo. A Área Pivô representa uma ampla extensão territorial do continente eurasiático, dotada de vastos recursos minerais vitais à industrialização e de extensas planícies que permitem o desenvolvimento da agricultura comercial. Do ponto de vista estratégico, seu relevo plano permite deslocamentos rápidos por terra; enquanto que sua distância em relação ao mar assegura uma profundidade territorial frente a ataques de potências oceânicas.
O argumento do diplomata britânico no célebre artigo O Pivô Geográfico da História (1904), é que o país ou aliança que transformar as riquezas das vastas extensões eurasiáticas em poder econômico poderá lançar-se enquanto poder militar e disputar a hegemonia mundial.
Mackinder propõe a existência de um único oceano, o Great Ocean, que representa três quartos da área do globo, sendo o restante formado pelos continentes Europa, Ásia e África, que formariam a World Island ou Ilha Mundial, e mais os continentes isolados das Américas e Oceania (MELLO, 1999). Do ponto de vista cartográfico, essa leitura questiona os mapas eurocêntricos (Projeção de Mercator), e do ponto de vista geopolítico, a Europa Ocidental perde importância diante da Área Pivô, situada basicamente no núcleo do continente eurasiático. A Europa Ocidental continental fora transformada numa mera península eurasiática, situada no Crescente Marginal, juntamente com as demais penínsulas localizadas nas proximidades do núcleo eurasiático.
Mas a Grã-Bretanha, para Mackinder, estava situada estrategicamente nas Ilhas de Fora, configurando o Crescente Insular, juntamente com suas ex-colônias África do Sul, Austrália e Estados Unidos, uma rede fundamental do poder marítimo de ontem e de hoje para deter as alianças entre poderes terrestres eurasiáticos.
Para Mackinder, a Rússia era a nação mais importante no contexto geopolítico de início do século XX, considerando seu vasto território e proteção natural de suas planícies e bacias interiores. No medievo, essa geografia de estepes e o corredor entre os montes Urais e o mar Cáspio flanqueou a entrada de povos nômades asiáticos na Europa (MACKINDER, 1904, p. 425-426), mas também permitiu aos cossacos expandirem o império russo pela Sibéria e Ásia Central na proporção em que expulsavam os invasores. A partir disso, a Rússia se expande territorialmente com a imigração dos camponeses russos para as estepes do sul.
Mas a Rússia era elevada à condição de peça chave na estratégia ocidental menos pelo potencial de desenvolvimento de capacidade econômica e militar própria, e mais pela possibilidade de ser manobrada por potência vizinha mais ambiciosa, leia-se, Alemanha.
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha despontava como ameaça concreta
aos interesses britânicos na Europa, e sua derrota incompleta ao final do conflito mantinha a desconfiança quanto ao futuro da paz.
Assim, a estratégia de contenção projetada por Mackinder advinha da preocupação dos britânicos quanto à consolidação de um poder terrestre no continente eurasiático apto a desenvolver força anfíbia pelas franjas costeiras a ponto de suplantar a hegemonia do poder naval inglês (MELLO, 1999). Diante do iminente reerguimento alemão e da sempre promessa russa, as dimensões da Área Pivô foram então ajustadas por Mackinder de forma a abarcar estes dois Estados-Pivôs.
No livro Democratic Ideals and Reality: a study in the politics of reconstruction, de 1919, Mackinder desenvolve o conceito de Heartland ou “coração da terra”, numa tradução literal. Segundo Albuquerque (2011, p. 44), "O heartland era menor que a Área Pivô, passando de 23 para 13 milhões de km², mas definitivamente centrava no eixo Berlim-Moscou a principal ameaça geopolítica vinda do núcleo da massa terrestre eurasiática. Se o heartland perdia em extensão territorial, ganhava muito em precisão espacial, o que é fundamental em se tratando de estratégias de contenção".
A teoria mackinderiana conseguiu antecipar os movimentos geoestratégicos das potências eurasiáticas em duas guerras gerais entre 1914 e 1945, envolvendo um poder terrestre representado pela Alemanha e um poder marítimo representado pela Inglaterra, e ainda a própria Guerra Fria, a medida que a União Soviética tornava-se a potência sucedânea da Alemanha no controle do Heartland.
Os movimentos geoestratégicos do período da Guerra Fria resultaram também da aplicação da teoria do Rimland, surgida do período entre-guerras como uma espécie de
teoria complementar ao Heartland. Num primeiro momento, o Rimland embasa geopoliticamente a política externa dos Estados Unidos para lidar com o expansionismo nazista na Europa e o imperialismo japonês no Pacífico.
Do realismo, o geógrafo estadunidense N. Spykman adotou a ideia de estruturação de um sistema interestatal global em que qualquer modificação na relação de forças afeta sempre a posição relativa dos grandes atores internacionais, e que, por isso mesmo, não podem permanecer indiferentes às oscilações do equilíbrio do poder mundial. Em síntese, Spykman notou que não existe a opção do “esplêndido isolamento” para as potências (MELLO, 1999).
A estratégia de contenção ocidental deveria, para Spykman, projetar a primeira linha de defesa estadunidense não no continente americano, mas do outro lado do Atlântico (Europa) e do Pacífico (Ásia e ilhas do Pacífico). Como somente avançando a primeira linha de defesa para dentro da Europa e da Ásia, seria útil montar uma segunda linha de defesa no perímetro interno do Hemisfério Ocidental, isso implicava em avançar as forças americanas e posicioná-las nas duas extremidades do continente eurasiático.
Analogamente à Mackinder, Spykman acreditava que se o continente eurasiático fosse dominado por um único poder ou aliança, este acumularia uma força não compensada que poderia projetar-se nos oceanos Atlântico e Pacífico e, dessa forma, cercar o Hemisfério Ocidental. Assim, sua estratégia apostava na instabilidade da Eurásia para preservar o excedente de poder dos Estados Unidos, priorizando o cercamento de ambas as bordas do continente eurasiático por meio da hegemonia naval atlantista (MELLO, 1999).
Fonte: Revista de Geopolítica, Natal, v. 5, nº 1, p. 1-14, jan./jun. 2014.